É inquestionável a presença dos shoppings Centers nos dias de hoje. Sua estrutura atende perfeitamente às exigências da sociedade moderna, que busca cada vez mais suprir sua necessidade consumista de forma prática e cômoda. Tal centro comercial constitui fato jurídico novo decorrente de criativas e modernas técnicas de venda, que alinham praticidade, lazer, segurança e conforto.
Amparado por essa visão, o empreendedor projeta, constrói e gerencia todo esse complexo, almejando, através de um sistema de contrapartida com o lojista, a potencialização da circulação de produtos, serviços e, claro, do consequente lucro. Assim, o shopping center é formado por um universo de contratos interempresariais individualmente firmado entre lojista e empreendedor que cede o uso e fruição de espaços situados no centro comercial àqueles, em troca de remuneração e condições próprias de tal empreendimento.
A Lei de Locação
A partir de uma análise do artigo 54 da Lei de Locação (8.245/91) compreende-se que seu texto não proporciona um entendimento muito claro, o que enseja, por parte dos empreendedores, a elaboração de contratos “próprios” à atividade e que, muitas vezes, são marcados pela presença de cláusulas capazes de prejudicar os lojistas e desequilibrar a relação.
Contrato de Shopping Center
Como há de se averiguar, os contratos locatícios de shopping center possuem natureza polêmica, sistemática e complexa. Por vezes, são compreendidos como contratos de locação submetidos à Lei de Inquilinato (8245/91) ao passo que, em outras, são considerados como contratos atípicos em razão da presença de elementos estranhos.
O artigo visa estabelecer uma orientação para o melhor entendimento do que vem a ser o contrato de locação de Shopping center e a problemática que lhe envolve, passando pelos principais aspectos inerentes ao contrato em geral e de locação, bem como pelos princípios fundamentais do direito contratual.
Aspectos legais e princípios fundamentais do contrato em geral
Considerado por excelência como um negócio jurídico, o contrato é o principal instituto do Direito das Obrigações, revestindo-se como elemento primordial ao Direito Privado. Possui como finalidade principal e secundária, respectivamente, atender as necessidades do ser humano e servir como instrumento para as relações jurídicas patrimoniais, estando, para isso, atrelado às exigências da ordem jurídica (bons costumes, função social, boa fé e objeto lícito) (DINIZ, 2008).
Ainda, para que um contrato seja recebido pelo poder judiciário deve seguir não só os solenes parâmetros de validade jurídica, mas também, e principalmente, às soberanas regras de inestimável valor moral e social.
Do contrato de locação de shopping center
A cessão de uso do espaço situado em shopping center não ocorre por meio de um único instrumento harmonizador de direitos e obrigações, é, porém, acompanhado de peculiaridades em sua forma, tanto nos ditames que o regem quanto nos documentos que o complementam. Portanto, pretende-se neste item proporcionar uma visão geral sobre a estruturação desse tipo de contrato, ficando o estudo pormenorizado de suas cláusulas controversas para o próximo capítulo.
Tendo em vista a noção de Shopping center, considera-se que os lojistas são, em sua maioria, empresários, sendo as lojas o estabelecimento para o exercícios de suas atividades.
As peculiaridades dos contratos de locação de Shopping Center
A contrapartida no contrato de shopping center é denominada de “aluguel” e se dá de duas formas alternativas: uma variável e outra fixa. Na modalidade variável, ou percentual, incide sobre o faturamento dos lojistas. Na modalidade mínima, ou fixa, será devido na hipótese de o valor variável não atingir montante mais elevado e pode ser cobrado em dobro no mês de dezembro.
Saliente-se que não existem dois aluguéis no contrato de shopping center, pois o locatário pagará somente um aluguel, subordinado a critério variável, podendo ser utilizado o sistema mínimo ou percentual.
Tal sistema se justifica pela razão de ser do próprio empreendimento. O empreendedor concebe, constrói, organiza e opera o empreendimento com o objetivo de participar dos ganhos dos lojistas, além do rendimento da propriedade do imóvel. A administração do centro tem por foco o aumento da produtividade das atividades comerciais. Por isso o aluguel é determinado por meio da aplicação de uma porcentagem sobre as vendas.
Cláusula de Degrau
A cláusula de degrau estabelece que de tempos em tempos o valor mínimo do aluguel sofrerá um aumento real. Não se trata de uma cláusula de correção monetária, a qual também está prevista no contrato de shopping e deverá observar a periodicidade mínima legal de um ano.
Por meio da cláusula de degrau o aluguel mínimo (piso) poderá sofrer um aumento gradativo em degraus, segundo periodicidades variadas. O percentual será sempre o mesmo, o que se escalonará é o piso. Tal metodologia tem por objetivo não onerar demasiadamente o lojista no início de suas atividades, enquanto seu negócio não está em plena operação, ocasião esta em que atingirá a produtividade mínima esperada.
A licitude de tal cláusula está prevista no art. 316 do CC.
Aluguel Mínimo Dobrado
Esta cláusula determina como remuneração mínima a ser paga pelo lojista, na maioria das vezes no mês de dezembro, o correspondente a duas vezes o valor do aluguel mínimo vigente, e somente incidirá se o valor variável do aluguel no mês correspondente for inferior a soma de dois aluguéis mínimos. Essa cláusula tem como fundamento o presumido aumento das vendas no Natal, ou em outras épocas do ano.
A Divisão dos Encargos Comuns
A Lei de Locações em seu art. 54, §1º, “a” e “b”, vedou a cobrança de algumas despesas do locatário, como as que se referem às obras ou acréscimos que interessem a estrutura geral do imóvel; à pintura de fachadas, empenas, poços de aeração e iluminação, das esquadrias externas; às indenizações trabalhistas e previdenciárias pela dispensa do empregado, ocorridas anteriormente ao início da locação.
Ainda, não é possível cobrar do inquilino gastos com obras ou substituições de equipamentos que sejam modificados do que originalmente foi projetado ou que constem no memorial descritivo por ocasião da carta de habitação e as despesas com paisagismo das partes de uso comum.
Assim, sobre tais despesas condominiais extraordinárias não pode haver contratação diversa do quanto estabelecido em Lei, sob pena de tal cláusula ser considerada nula, com fulcro no art. 45 da Lei de Locações.
As demais despesas extraordinárias cuja vedação de cobrança não está relacionada expressamente em Lei podem ser cobradas do locatário.
Cláusula de Raio
A chamada “Cláusula de Raio” funciona como um limitador de concorrência. Proíbe o lojista (às vezes abrangendo outras sociedades sujeitas a um mesmo controle) de abrir novo estabelecimento para explorar o mesmo ramo de atividade, em áreas próximas do shopping ou em outros shopping concorrentes
Tendo em vista o risco assumido pelo locador de vincular a sua remuneração a uma porcentagem sobre o faturamento do locatário, este se obriga a concentrar seus esforços no estabelecimento locado, por isso que fica impedido pela cláusula de raio de instalar estabelecimento comercial equivalente nas proximidades do shopping. Agindo de forma contrária, poderia com facilidade reduzir unilateralmente a base de cálculo da remuneração do locador. Assim, a cláusula de raio preserva a integridade do aluguel variável.
Quando a proibição é a de que o locatário inaugure estabelecimento similar em outro shopping, independente da distância, a cláusula raio funciona como meio de preservar a força atrativa de cada lojista para o shopping center.
Esta cláusula é bastante controvertida e já houve casos em que o Conselho de Defesa Econômica (CADE), analisando os casos concretos, concluiu por sua ilegalidade, ao fundamento de configurar conduta tendente ao fechamento do mercado relevante de shopping centers de alto padrão, refletindo infração à ordem econômica, ou em razão dos efeitos anticoncorrenciais.
Prévia Aprovação de Projetos de Instalação e Decoração das Unidades
Nos contratos firmados entre empreendedor e lojista é incluída cláusula estabelecendo que, dentro de um prazo fixado, o lojista deverá apresentar ao empreendedor para exame e aprovação todos os projetos de instalação da loja, incluindo a sua configuração interna e externa.
Assim, compete ao empreendedor aprovar a instalação, decoração e o projeto das lojas, pois devem estar de acordo com as prescrições constantes do sistema normativo do shopping center, constante da escritura de normas gerais complementares, que integra os contratos de utilização das unidades e que objetivam a uniformidade de aparência do Centro Comercial por suas unidades e vias de circulação.
O shopping center envolve um negócio complexo, repleto de peculiaridades, seja no tocante ao imóvel, à atividade que o caracteriza, e às relações jurídicas formadas entre os membros do empreendimento.
Entendemos que as peculiaridades que circundam tal espécie contratual não são hábeis a descaracterizar a tipicidade do contrato de locação, pois estão presentes todos os elementos caracterizadores do art. 565 do CCB, quais sejam: a coisa, o preço pelo uso e o consenso.
A locação é a razão de contratar e sem ela o contrato não existe. O empreendedor quer locar a loja para aferir renda, renda esta, dotada de certas peculiaridades no negócio em questão. Por sua vez, a intenção do locatário é a de usar determinado espaço mediante pagamento, sendo que o “sobrefundo comercial” do shopping e serviços internos não descaracterizam tal intuito. Vale dizer, quer as disposições contratuais tidas como atípicas, só existem ou existirão em decorrência da locação.
Fontes: LÔBO, Paulo. Princípios sociais dos contratos no CDC e no novo Código Civil.
GOMES, Orlando. Direito Civil: Contratos. 17. ed., Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1997.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito civil brasileiro. 24. ed., São Paulo: Ed. Saraiva, 2008.