Tributação de offshores e os tratados internacionais

A proposta de tributação de offshores trazida pela MP 1.171 pode suscitar questionamentos em relação à conformidade com os tratados internacionais firmados pelo Brasil.

O governo brasileiro lançou a Medida Provisória número 1.171, com o objetivo de impor tributos sobre os investimentos de indivíduos no exterior, como uma medida para conter a exploração de países com impostos baixos. Essa ação visa preencher uma lacuna e atender às demandas globais de combate ao planejamento tributário internacional considerado abusivo, em conformidade com a Ação 3 do plano de combate à “erosão da base fiscal” da OCDE e do G20. No entanto, especialistas têm expressado críticas em relação à proposta, principalmente no que se refere aos investimentos em offshores.

A MP estabelece a tributação automática dos lucros obtidos por entidades no exterior, independentemente de serem distribuídos aos acionistas no Brasil. Essa regra existe desde os anos 1990 para empresas, mas ainda gera debates jurídicos não resolvidos.

Em 2013, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a tributação de lucros no exterior é constitucional para entidades controladas em paraísos fiscais. No entanto, essa cobrança seria inconstitucional quando não houvesse controle sobre a entidade no exterior ou quando ela estivesse localizada em um país com tributação normal ou com o qual o Brasil tivesse um acordo para evitar a dupla tributação.

Quanto à tributação de lucros não distribuídos, sobre os quais o contribuinte brasileiro ainda não teria disponibilidade econômica ou jurídica, o Supremo entendeu que essa tributação seria válida, pois não se estaria tributando diretamente o lucro da entidade estrangeira, mas sim o impacto contábil do lucro reconhecido pela pessoa jurídica no Brasil por meio do método contábil conhecido como “equivalência patrimonial”.

Um precedente relevante foi o caso envolvendo a Vale no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que determinou que a tentativa de tributar os lucros da entidade no exterior violaria os tratados celebrados pelo Brasil para evitar a dupla tributação. Segundo a convenção modelo da OCDE, os lucros de uma entidade localizada no exterior só podem ser tributados na jurisdição em que ela está sediada.

Os tratados internacionais não estabelecem regras de tributação, mas determinam em situações transacionais qual país tem o direito de tributar e estabelecem métodos para evitar a dupla tributação, considerada um obstáculo para o livre fluxo internacional de capitais.

A Receita Federal alegou que o que estava sendo tributado eram dividendos “presumidos”, criando uma ficção de que os dividendos foram distribuídos, permitindo a tributação no Brasil de acordo com as regras dos tratados. No entanto, o STJ rejeitou essa alegação, entendendo que a regra brasileira tributava os lucros obtidos pela entidade no exterior e não sua distribuição, o que é vedado pelo tratado.

É importante destacar que a legislação brasileira foi alterada em 2014 para estabelecer que a tributação não alcançaria diretamente o lucro das entidades controladas no exterior, mas sim o impacto contábil do lucro da entidade no exterior verificado pela empresa brasileira por meio do método de equivalência patrimonial.

No entanto, a nova MP voltou ao modelo original, considerado ilegal. Ou seja, tem como objetivo tributar os lucros da entidade controlada no exterior e não o resultado contábil do investimento experimentado no Brasil – o que sequer existe para pessoas físicas, que não avaliam o investimento da entidade controlada no exterior pelo método de equivalência patrimonial.

A proposta da MP 1.171 pode, assim, levantar dúvidas sobre sua conformidade com os tratados internacionais firmados pelo Brasil, especialmente no que diz respeito à tributação dos lucros das entidades controladas no exterior. Além disso, a aplicação da regra a entidades localizadas em países com tributação normal pode entrar em conflito com as recomendações da OCDE. Essas questões devem ser analisadas pelo Congresso para evitar conflitos e garantir a eficácia da medida no combate ao planejamento tributário agressivo

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