Nos últimos anos, temos acompanhado no Brasil e em todo o mundo o elevado nível de corrupção em vários segmentos econômicos. Por isso, diversas empresas acabam tendo sua imagem e reputação fragilizadas em função do seu comprovado envolvimento, tanto em nível de negócios como também na esfera política.
A necessidade imperiosa de conhecer e praticar compliance nas atividades do dia a dia surgem em meio a essa realidade, que atinge empresas de todos os portes e segmentações.
O compliance é uma função que envolve a conformidade da empresa às leis e normas de órgãos regulamentadores.
Um dos seus objetivos é corrigir e prevenir desvios que possam trazer conflitos judiciais para o negócio, sendo comumente atrelado à luta anticorrupção.
Uma empresa com um programa de compliance bem estruturado pode obter diversos benefícios, dentre eles a valorização de sua imagem e reputação no mercado, transmitindo uma mensagem de segurança e maior credibilidade, em razão da promoção de condutas corretas e íntegras.
Além dos benefícios entre empresas por si só, essas medidas são favoráveis às organizações que desejam realizar tratativas para com o governo por meio de licitações. Afinal, para que a empresa possa participar de licitações públicas, faz-se necessário a sua adequação, de modo a seguir regras e atender a diversas exigências, sendo uma delas, estabelecida recentemente por leis estaduais e federais, a existência de um departamento de compliance, de modo a evitar casos de corrupção de forma preventiva e não apenas punitiva.
O verbo To comply, em inglês, significa estar de acordo com uma regra, o que, por conseguinte, leva a interpretação do termo compliance, que tem relação direta com a conduta da empresa e sua adequação às normas dos órgãos de regulamentação.
Esse conceito abrange todas as políticas, regras, controles internos e externos aos quais a organização precisa se adequar, remetendo a ideia de cumprir, seguir normas, agir em conformidade, aplicar um programa de integridade. Prossegue-se, ainda, como meio de aplicabilidade de sanções, credibilidade, códigos de conduta e prevenção da lavagem de capitais.
Uma vez instituído o denominado programa de compliance, tanto a empresa como todos os seus funcionários, inclusive fornecedores de interesse, denominados Stakeholders, precisam se comportar de acordo com as regras dos organismos reguladores.
Além disso, devem garantir o fiel cumprimento dos diversos instrumentos normativos internos. Afinal, somente desta forma a empresa estará em compliance ambiental, trabalhista, financeiro, de segurança do trabalho, operacional, contábil etc.
A nova Lei n.º 14.133, denominada de “Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, foi publicada em 1º de abril de 2021 e estabelece, conforme disposto em seu §1.º, “normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.
De forma inédita em relação às leis que tratavam desses institutos anteriormente, o novo diploma legal contém dispositivos expressos destinados a estimular a adoção de programas de compliance na área de integridade e anticorrupção, assim denominados na lei como “programas de integridade”.
Segundo o disposto no art. 25, §4.º, em contratos de grande vulto a existência de um programa de integridade passa a ser obrigatória e, caso ausente, deve ser implementado no prazo de seis meses da contratação.
Entende-se por contratos de grande vulto, aqueles cujo valor estimado supera R$ 200 milhões. O dispositivo legal remete à edição de um “regulamento que disporá sobre as medidas a serem adotadas, a forma de comprovação e as penalidades pelo seu descumprimento”.
Vários Estados já haviam editado leis exigindo programas de integridade para licitações e contratos de valores menores. Ilustrativamente, a Lei do Estado do Amazonas n.º 4.730/2018 estabeleceu patamar em R$ 3,3 milhões em contratos de obras e engenharia e R$ 1,43 milhões para compras e serviços. A Lei do Distrito Federal nº 6.112/2018 exige programas de integridade para contratos de valor igual ou superior a R$ 5 milhões. A Lei do Estado de Pernambuco nº 16.722/2019 fixou o patamar em R$ 10 milhões.
A existência de um programa de integridade foi também elencada como um, entre quatro critérios de desempate entre duas ou mais propostas, conforme previsão no inciso IV do art. 60 da Lei n.º 14.133/2021.
Interessante destacar que a lei fala no “desenvolvimento pelo licitante de programa de integridade, conforme orientações dos órgãos de controle”, o que significa que o programa de integridade não precisa ser pré-existente, ou seja, pode ser apresentado um projeto para a sua criação. Pré-existente ou não, o programa precisará seguir as orientações pertinentes dos órgãos de controle.
Não obstante, a normativa também prevê que na aplicação das sanções serão consideradas “a implantação ou o aperfeiçoamento de programa de integridade, conforme normas e orientações dos órgãos de controle”.
Considerando-se que a sanção de pessoas jurídicas por infrações administrativas é lastreada no jus puniendi estatal — e, por consequência, na culpabilidade do agente mediante aferição da responsabilidade subjetiva —, os programas de integridade e compliance, quando efetivamente estruturados, consolidam-se como instrumentos capazes de atenuar, ou ao menos influenciar, na comprovação do dever geral de cuidado e diligência por parte da empresa que responde ao processo sancionatório.
Por fim, a nova Lei Geral de Licitações Públicas previu que a implantação/aperfeiçoamento de programas de integridade e compliance servirá como requisito à reabilitação do interessado para contratar novamente com o ente público sancionador.
Nesse sentido, conforme estabelecido no artigo 163, parágrafo único, da Lei Federal n° 14.133/2021, “a sanção pelas infrações previstas nos incisos VIII e XII do caput do artigo 155 desta lei exigirá, como condição de reabilitação do licitante ou contratado, a implantação ou aperfeiçoamento de programa de integridade pelo responsável”.
Portanto, na hipótese de sancionamento administrativo prévio em razão da apresentação de “declaração ou documentação falsa exigida para o certame ou (por) prestar declaração falsa durante a licitação ou a execução do contrato” ou pela prática de “ato lesivo previsto no artigo 5º da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013 [Lei Anticorrupção]”, indispensável será a implantação efetiva de um programa de integridade e compliance pelo interessado, sem o qual permanecerá impedido de participar de licitações públicas no âmbito da Administração Pública sancionadora.
A implantação de programas de integridade ou compliance, com efeito, resultará em maior segurança jurídica tanto para a empresa contratante como para a própria Administração Pública, atenuando os efeitos perniciosos da ampla discricionariedade conferida aos agentes públicos na falta de parâmetros objetivos de controle
Por todas essas perspectivas, o compliance — representado pelos programas de integridade —, por constituir ferramenta indispensável à prevenção e ao efetivo combate à corrupção em suas diversas modalidades, consolida-se, a partir de modernos preceitos constantes na nova Lei Geral de Licitações Públicas e Contratos Administrativos, como instrumento fundamental à concretização dos princípios insculpidos no artigo 37 da Constituição Federal de 1988, atenuando a insegurança jurídica e a prática de atos de improbidade nas contratações firmadas com a Administração Pública.
É crescente a aprovação de normas, no âmbito local e internacional, que impõe ou estimulam a adoção pelas empresas de programas de compliance. A Lei nº 14.133/2021 insere-se nesse conjunto de diplomas legais, ao favorecer em procedimentos licitatórios empresas que dispõe de programas de compliance.
Para implementação, aperfeiçoamento ou avaliação da qualidade do programa de integridade, deve-se buscar as normas e orientações das autoridades sobre o assunto, e, por tal razão, torna-se necessária a contratação de profissionais qualificados.